A Ferrogrão é um projeto ferroviário que promete ligar o coração do agronegócio em Sinop (MT) ao porto de Itaituba (PA), reacende o debate sobre os reais benefícios e custos de grandes obras na Amazônia.
Enquanto o governo federal defende a ferrovia como um motor para o desenvolvimento, um estudo recente do Instituto Socioambiental (ISA) lança dúvidas sobre a viabilidade econômica do empreendimento, alertando para uma possível explosão nos custos e questionando quem, de fato, arcará com essa conta.
O estudo do ISA aponta que os custos de construção da Ferrogrão podem estar significativamente subestimados.
É importante entender que a subestimação dos custos em projetos de infraestrutura na Amazônia não é apenas um erro de cálculo, mas um problema sistêmico que pode comprometer a viabilidade de todo o empreendimento. Ao ignorar as complexidades ambientais e sociais da região, o governo corre o risco de criar um projeto que, em vez de impulsionar o desenvolvimento, acabe gerando prejuízos econômicos e ambientais irreparáveis.
Uma conta que não fecha?
Para embasar suas críticas, o estudo do ISA se baseia em experiências de outros projetos ferroviários no Brasil, que também tiveram seus custos subestimados inicialmente e acabaram se tornando um fardo para os cofres públicos.
A economista Mariel Nakane destaca que a história das ferrovias no Brasil é marcada por projetos mal planejados, com custos inflados e benefícios questionáveis.
Mariel Nakane, assessora técnica e economista do ISA, explica que a metodologia utilizada pelo governo para estimar os custos da Ferrogrão é falha, pois não leva em conta a complexidade do terreno amazônico, os riscos climáticos e a necessidade de medidas de mitigação ambiental.
Além disso, a análise governamental ignora os custos sociais do projeto, como o deslocamento de comunidades tradicionais, a perda de áreas de pesca e caça e o aumento da violência e da criminalidade.
Um exemplo citado no estudo é a Ferrovia Norte-Sul, que teve seus custos iniciais subestimados e até hoje não cumpre o seu papel de impulsionar o desenvolvimento regional.
Outro exemplo é a Transnordestina, que já consumiu mais de R$ 11 bilhões e ainda não foi concluída.
Quem paga a fatura?
Se os custos da Ferrogrão realmente explodirem, quem arcará com a diferença?
O estudo do ISA alerta que, no modelo de concessão proposto pelo governo, a maior parte dos riscos financeiros do projeto recairá sobre o setor público.
Isso significa que, se a concessionária não conseguir arcar com os custos da ferrovia, o governo terá que cobrir o rombo, usando recursos que poderiam ser investidos em outras áreas prioritárias, como saúde, educação e saneamento básico.
Além disso, o estudo do ISA questiona se os benefícios econômicos da Ferrogrão realmente justificam os seus custos.
A ferrovia é defendida pelo governo como uma forma de reduzir os custos de transporte de grãos do Mato Grosso para os portos do Norte, aumentando a competitividade do agronegócio brasileiro.
No entanto, o estudo do ISA argumenta que esses benefícios são superestimados e que a Ferrogrão pode ter um impacto negativo sobre outros setores da economia, como a agricultura familiar e o turismo.
Impactos socioambientais
Além dos custos financeiros, o estudo do ISA também alerta para os graves impactos socioambientais da Ferrogrão.
A construção da ferrovia pode levar ao desmatamento de grandes áreas de floresta amazônica, à destruição de habitats de espécies ameaçadas de extinção e à contaminação de rios e solos.
Além disso, o projeto pode afetar a vida de milhares de pessoas que vivem na região, especialmente comunidades indígenas e tradicionais, que dependem da floresta para a sua sobrevivência.
O bispo Dom José Ionilton Lisboa de Oliveira, prelado do Marajó (PA), manifesta preocupação com a falta de diálogo e consulta às comunidades desde o início do projeto.
Ele critica a forma como o governo está conduzindo o processo, sem levar em conta os direitos e os interesses das populações locais.
Não podemos aceitar que o desenvolvimento econômico seja feito à custa da destruição da natureza e da violação dos direitos humanos, afirma o bispo.
Alternativas sustentáveis

Diante dos questionamentos sobre a viabilidade econômica e os riscos socioambientais da Ferrogrão, o estudo do ISA defende a necessidade de se buscar alternativas mais sustentáveis para o desenvolvimento da Amazônia.
Uma das alternativas propostas é o investimento em infraestrutura de transporte fluvial, que é mais barata, menos impactante e pode gerar mais empregos e renda para as comunidades locais.
Outra alternativa é o fortalecimento da agricultura familiar e da economia solidária, que são atividades mais sustentáveis e podem contribuir para a conservação da floresta e a melhoria da qualidade de vida das populações locais.
O estudo do ISA conclui que o desenvolvimento da Amazônia não pode ser baseado em grandes projetos de infraestrutura que destroem a natureza e violam os direitos humanos.
É preciso buscar um modelo de desenvolvimento mais justo, sustentável e inclusivo.
Análise detalhada dos estudos e dados
O estudo do ISA (Instituto Socioambiental) é central para entender as críticas à viabilidade da Ferrogrão. Ele aponta que a estimativa inicial de custos de R$ 20,04 bilhões pode, na verdade, alcançar R$ 27,68 bilhões.
Essa diferença não é apenas um palpite, mas o resultado de uma análise minuciosa que identifica falhas na metodologia utilizada pelo governo.
Uma dessas falhas é a não consideração da complexidade do terreno amazônico. A construção em áreas de floresta densa e solos instáveis exige técnicas e materiais mais caros, além de um planejamento mais cuidadoso para evitar deslizamentos e outros problemas.
Os riscos climáticos também são negligenciados na estimativa inicial. A Amazônia é uma região sujeita a fortes chuvas e inundações, o que pode atrasar as obras e aumentar os custos.
Além disso, o estudo do ISA destaca a importância de se levar em conta as medidas de mitigação ambiental.
Custos sociais e ambientais omitidos
A construção de uma ferrovia em plena Amazônia inevitavelmente causa impactos ambientais, como o desmatamento e a fragmentação de habitats. Para minimizar esses impactos, é preciso investir em medidas de compensação, como o plantio de árvores e a criação de corredores ecológicos.
Essas medidas, porém, não são consideradas na estimativa inicial de custos.
Outro ponto importante levantado pelo estudo do ISA é a desconsideração dos custos sociais do projeto.
A construção da Ferrogrão pode levar ao deslocamento de comunidades tradicionais, à perda de áreas de pesca e caça e ao aumento da violência e da criminalidade.
Esses impactos sociais geram custos adicionais, como a necessidade de indenizar as famílias afetadas, de construir novas moradias e de reforçar a segurança na região.
A estimativa inicial do governo, segundo o economista Kralingen Daniel de R$ 20,04 bilhões, pode saltar para R$ 27,68 bilhões, um aumento de quase 40%.
A diferença, segundo o ISA, reside em falhas metodológicas na avaliação dos custos e na desconsideração de importantes externalidades, como os impactos ambientais e sociais do projeto.
Impacto total ignorado, alerta análise da UFMG
O estudo “Amazônia do futuro: o que esperar dos impactos socioambientais da Ferrogrão?”, elaborado pelo Centro de Sensoriamento Remoto da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), complementa a análise do ISA, ao detalhar os impactos ambientais da ferrovia.
O estudo da UFMG revela que a EF-170, conhecida como “Ferrogrão”, pode impactar 4,9 milhões de hectares de Áreas Protegidas em municípios que somam 1,3 milhões de hectares desmatados ilegalmente.
Esses dados mostram a dimensão da ameaça que a Ferrogrão representa para a biodiversidade da Amazônia.
A análise dos impactos de grandes obras ferroviárias em Mato Grosso, realizada por entidades pastorais, também contribui para o debate sobre a viabilidade da Ferrogrão.
Essa análise destaca a falta de análise global e integrada dos impactos socioambientais e violações de direitos humanos desses empreendimentos.
Essa crítica é fundamental, pois mostra que a avaliação dos custos e benefícios da Ferrogrão não pode se limitar a aspectos econômicos, mas deve levar em conta os impactos sociais e ambientais em toda a região.
Outras fontes: Ecodebate.com.br